Os dois se conheceram ainda na Itália, em Roma, no ano de 1943, quando Lina, quatorze anos mais jovem que Pietro Bardi, estava ainda no início de sua carreira enquanto ele já era um intelectual conhecido pela defesa da arte e arquitetura modernas. Autodidata, combinou várias frentes de atuação em revistas e jornais com as atividades de marchand e diretor de galerias de arte. A participação de Bardi na organização da Segunda Mostra Italiana de Arquitetura Racional, realizada em Roma em 1931, foi decisiva para o espaço conquistado pelos jovens modernos na Itália fascista. Seu objetivo foi disputar a hegemonia exercida por Marcello Piacentini, então no controle de um processo de modernização sem ruptura com a tradição acadêmica neoclássica. Bardi organizou uma exposição provocativa, abrindo com um painel de colagens que ridicularizava o provincianismo da arquitetura italiana, a Tavola degli Orrori (Mesa dos Horrores). Durante a visita de Mussolini à abertura da mostra, apresentou-lhe o Rapporto sull’Architettura (Relatório sobre Arquitetura), panfleto no qual defendia que a arquitetura racionalista deveria ser adotada como “arte de estado”, por ser a melhor expressão do caráter modernizador do regime. Apesar da reação negativa do Duce e demais autoridades ao pleito, abriu-se ali um período de relativa aceitação da arquitetura moderna, que se sagraria vitoriosa em muitos concursos para projetos públicos nos anos seguintes. Como editor, crítico e jornalista na Itália, a mais bem sucedida iniciativa foi a revista Quadrante, fundada por ele em 1933 e um dos principais vetores do debate moderno até seu encerramento em 1936. Graças a ela, pôde aproximar-se dos arquitetos das vanguardas de outros países, participando do quarto Congresso Internacional de Arquitetura Moderna em 1933. Ao levar Le Corbusier para conferências em Roma e Milão em 1934, Bardi consolidou-se como uma referência no país. Sua atuação combativa despertaria a atenção da jovem Lina Bo ainda nos anos de graduação.
Logo após diplomar-se na Faculdade de Arquitetura de Roma em 1939, Lina transferiu-se para Milão, associando-se a seu colega de escola Carlo Pagani. Em plena guerra, com a baixa atividade da construção civil, ela dedicou-se à atividade de ilustração e projetos de interiores. Junto com Pagani, colaborou com Gio Ponti nas revistas Bellezza e Lo Stile, onde produziu as capas e ilustrações. Com o agravamento da guerra, Lina segue Pagani na sua transferência para a revista Domus em 1943. Além de produzir artigos mais engajados na proposição da arquitetura moderna, já antecipa a agenda dos anos de reconstrução posteriores ao final do conflito. Passa a apoiar seus amigos no movimento de resistência contra a ocupação alemã, ainda que não se comprove sua participação direta no mesmo. Em 1945, ao final da guerra na Europa, funda com Pagani e Bruno Zevi a revista A, como síntese de “Attualità, Architettura, Abitazione, Arte”, dedicada a levar os problemas da reconstrução a um público não especializado. A adesão de Pietro Maria Bardi ao fascismo é controversa. Não se distingue daquela da maioria dos racionalistas, que durante a guerra se arrependeriam e passariam a atuar na oposição ao regime. Estudos recentes revelam uma figura isolada no aparato político burocrático do estado, personagem cuja concepção política não era aceita pelos membros do Partido Fascista. A reação de setores políticos do fascismo, que não aceitavam a arte e a arquitetura moderna, levaram ao fechamento da Quadrante em 1936 e à censura de Bardi em 1938. Além da atividade editorial nas revistas, Bardi tinha experiência na direção de instituições culturais. Dirigira a Galleria d’Arte di Roma (1930-1933) e fundara o Studio d’Arte Palma em 1944, onde desenvolveu um programa de exposições, conferências e formação na área de restauro e atribuição em obras de arte. Foi a partir dele que planejou sua vinda ao Brasil, recém-casado com Lina, em setembro de 1946, para apresentar exposições de arte no Rio de Janeiro. Na primeira delas, realizada no Ministério da Educação, edifício manifesto da Arquitetura Moderna brasileira, Bardi conhece o milionário empresário de mídia, Assis Chateaubriand, de quem receberia o convite para ajudá-lo na empreitada de construção do seu museu em São Paulo. Trouxe a concepção museológica que afloraria na Itália após a guerra, e que animou os museus surgidos para ocupar palácios e castelos restaurados e adaptados para esse uso. Também a nova forma de expor viria com o casal. O design das exposições de Franco Albini a partir de 1941 em Milão, com seus suportes delgados e transparentes eram semelhantes aos criados por Lina na primeira sede do MASP. Traziam um modo italiano de pensar o moderno em um país com a presença de remanescentes de tantos tempos distintos de arte e arquitetura nas ruas das suas cidades. Na arte metafísica de De Chirico, o tema central era essa convivência entre tempos na cidade. Para isso, luz e perspectiva criavam uma dimensão de eternidade, para além de qualquer instrumentalização do clássico pelo presente histórico, autoritário ou democrático. Não por acaso, os desenhos de Lina para o Museu à Beira do Oceano, realizados em 1951, utilizavam a profundidade e a luz metafísica, representando os quadros e esculturas através de colagens em perspectiva, com o oceano infinito ao fundo. Ensaio concretizado na sala da Casa de Vidro e, posteriormente, na transparência da sede do Masp na avenida Paulista. Cavaletes de vidro e fachadas transparentes dispunham as obras de arte em um mesmo espaço e tempo, suspenso sobre a cidade, entre o verde do parque Trianon e a vista para o vale. A Casa de Vidro constituiu uma oportunidade de experimentação, conforme desenvolve Aline Corato em seu texto a seguir neste volume.
O papel de um museu de arte no Brasil colocava, entretanto, problemas novos em relação à experiência italiana. A constante presença de Nelson Rockefeller em São Paulo apontava o Museum of Modern Art – MoMA de Nova York como referência para os novos museus brasileiros, entre outros assuntos de interesse do governo dos Estados Unidos da América – EUA. A abertura para o debate internacional é expressa pela participação de Bardi no International Council of Museums – ICOM, desde 1947, que propunha políticas para que os museus fossem voltados à formação de público e artistas.
O Masp foi criado com esse programa, entendendo a enorme potencialidade do rápido crescimento econômico e populacional de São Paulo no pós-guerra. Em 1950, a criação do Instituto de Arte Contemporânea – IAC no Masp ampliou o caráter formativo dos primeiros anos, introduzindo cursos como o de desenho industrial (o primeiro no Brasil), propaganda e marketing, moda, cinema, entre outros ligados diretamente à arte. Projeto de inserção ativa no processo de modernização e industrialização brasileira, pretendia repetir o papel de integração com a indústria que caracterizara a Werkbund alemã no começo do século XX, da qual saíra a vanguardista Bauhaus (1919-1933). As especificidades da industrialização, pautada pelas grandes empresas multinacionais, não abria espaço para uma prática de design própria e o projeto daria seu primeiro sinal de crise quando o curso de desenho industrial fechou em 1953, por falta de adesão empresarial. A crise se agravava na medida que surgiam acusações quanto à autenticidade das obras de arte do acervo. Devido a seu posicionamento político e uso instrumental dos meios de comunicação de sua propriedade, Chateaubriand atraia também oposição ferrenha ao Masp, extensivo à direção de Bardi. Em consequência disso, a partir de 1953, Bardi promove uma turnê internacional por alguns dos principais museus do mundo, comprovando com seu prestígio a qualidade do acervo. Por outro lado, os limites de espaço físico da primeira sede do Masp exigiam alternativas. A primeira delas foi um acordo de parceria com a Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, que construía sua sede com projeto neoclássico de Auguste Perret no Pacaembú, em São Paulo. Fracassada essa parceria em 1957, Lina iniciaria no ano seguinte o projeto para uma nova sede do Masp na Avenida Paulista, inaugurado apenas em 1968. O caráter formativo do museu trazia o risco do eurocentrismo e foi enorme o esforço do casal para evitá-lo. O reconhecimento da cultura brasileira desenvolvido por eles pode ser acompanhado nos artigos da revista Habitat, onde não havia contraste entre o interesse por Le Corbusier e a arte barroca, ou os ex-votos nordestinos. A cultura popular estava claramente articulada ao erudito, fosse antigo ou moderno. O museu deveria ser “fora dos limites”, como Bardi escrevera no Congresso do ICOM em 1947 e reafirmou em seu artigo no primeiro número da revista Habitat, em 1951.