Declaração de Saída Definitiva do País em 2018: o que se deve saber
janeiro 11, 2019
Tenho resolvido vários casos de brasileiros querendo mudar-se para viver no exterior ou já vivendo fora e querendo regularizar sua situação com o Fisco brasileiro. Procurando ajudar a essas pessoas, duas coisas até hoje me surpreendem: a falta de informações claras para aqueles que desejam fazer tudo corretamente, de forma regular, e a falta de coordenação entre os entes públicos competentes, a Receita Federal do Brasil (RFB) e o Banco Central (BACEN), para facilitar a vida de pessoas que não querem mais viver no Brasil, mas desejam preservar alguns laços, como seus investimentos financeiros ou em imóveis, e que talvez pretendam retornar no futuro.
O objetivo deste texto é servir de apoio para quem está tomando a decisão difícil de deixar o País e não quer deixar pontas soltas por resolver. Também desejo compartilhar minha experiência pessoal e a de nosso escritório com os principais problemas práticos enfrentados por brasileiros no seu processo de saída. É importante informar, em especial, o que se pode fazer preventivamente para que o Fisco não venha questionar no futuro se a pessoa realmente deixou o País e por isso deva pagar impostos por sua renda no exterior.
A “saída fiscal” pode ser entendida como a perda da condição de residente fiscal no Brasil. Como residente fiscal, o contribuinte deve cumprir as obrigações de: (i). submeter todos os seus rendimentos à tributação pelo imposto de renda, sejam eles auferidos no Brasil ou no exterior (“tributação em bases universais”); (ii). apresentar anualmente a declaração de imposto de renda pessoa física (DIRPF) para informar à RFB referidos rendimentos e também dados sobre seus bens e direitos, no Brasil e no exterior; e (iii). caso o conjunto dos ativos no exterior em seu nome ultrapasse o limite de cem mil dólares americanos, apresentar ao BACEN a declaração de capitais brasileiros no exterior (DCBE).
Com a saída fiscal, define-se uma data em que o contribuinte deixa de ser residente fiscal no Brasil e passa a ser considerado um “não residente”. A partir de então, o não residente está desobrigado de apresentar a DIRPF e a DCBE, e somente deve submeter à tributação brasileira os rendimentos auferidos no território brasileiro, sujeitos à tributação na fonte.
Antes de informar como formalizar a saída fiscal, é necessário mostrar quais requisitos devem ser preenchidos para que uma pessoa deixe de ser residente fiscal no Brasil (e, se retornar ao País, não se tornar residente fiscal novamente). Esses requisitos são diferentes para quem é brasileiro e para quem é estrangeiro:
Como se pode perceber, os requisitos de não residência fiscal para o estrangeiro são objetivos, mas para o brasileiro dependem de residir “em caráter permanente” no exterior e sem “ânimo definitivo” de permanecer no Brasil. Esses critérios subjetivos ligam-se ao interesse de manter vínculos econômicos e sociais com o Brasil, e são independentes do tempo de permanência física. Por exemplo, manter uma moradia, filiar-se a um clube, trabalhar, administrar empresas e desenvolver atividades sociais (filantropia, esporte etc.) são indícios de uma vida ativa no Brasil. Em outras palavras, “fincam raízes”. No sentido contrário, vir ao Brasil somente para visitar parentes em festas de final de ano ou fazer turismo não são suficientes, isoladamente, para qualificar residência fiscal no Brasil.
Em razão dessa subjetividade, é perfeitamente possível que um brasileiro se retire do País, viva anos no exterior e ainda assim possa ser considerado residente fiscal no Brasil. Nesses termos, a legislação brasileira faz distinção entre “saída temporária” e “saída definitiva”.
A saída em caráter temporário do Brasil, ou saída temporária, ocorre quando a pessoa deixa o território brasileiro e permanece no exterior sem formalizar ao Fisco que se ausentou. Uma situação normal em que isso pode ocorrer é quando se decide mudar para o exterior com incerteza a respeito de conseguir se fixar no exterior ou ter de retornar ao Brasil no futuro. A consequência fiscal disso é que, durante os primeiros 12 meses posteriores à saída, a pessoa física continua sendo considerada residente fiscal no Brasil. Nessa hipótese, a pessoa deve manter-se ausente do País durante 12 meses consecutivos para que seja considerada não residente.
A saída definitiva do País, por sua vez, se caracteriza quando a pessoa deixa o território brasileiro e cumpre, dentro dos prazos legais, os requisitos formais para que seja considerada não residente. Para essa hipótese, o contribuinte perde a condição de residente fiscal no Brasil imediatamente, na data informada para sua saída.
Portanto, observar os prazos legais é um requisito importante para definir em que data a perda da condição de residente fiscal no Brasil passa a surtir efeitos. Os prazos a observar são explicados na seção “Como formalizar a saída fiscal”, abaixo.
Cada Estado tem poder para fixar suas próprias regras para definição de quem é ou não é residente fiscal em sua jurisdição. As regras expostas anteriormente aplicam-se unicamente para o Brasil. Os Estados Unidos, por exemplo, consideram residente fiscal nos Estados Unidos todos os cidadãos americanos, ainda que nunca tenham pisado o território americano. Em razão de cada jurisdição estabelecer regras de residência fiscal diferentes, é perfeitamente possível que uma mesma pessoa seja residente fiscal em dois ou mais países.
Para quem deseja realizar a saída fiscal do Brasil, isso significa que (i). obter residência fiscal em outro país não faz uma pessoa tornar-se não residente no Brasil; e (ii). não é necessário a uma pessoa comprovar residir em outro País para deixar de ser residente fiscal no Brasil. Do ponto de vista brasileiro, o que importa é cumprir os procedimentos da saída temporária ou definitiva.
Uma exceção a essa regra é o caso em que o contribuinte transfere sua residência fiscal para um país ou dependência de tributação favorecida (“paraíso fiscal”) ou regime fiscal privilegiado. Para esses casos, a saída fiscal deverá surtir efeitos somente a partir da data em que o contribuinte puder comprovar que:
O objetivo da exceção descrita é evitar que a saída fiscal seja utilizada única e exclusivamente para reduzir o pagamento de tributos ao Brasil de maneira artificial, mudando-se formalmente a residência fiscal para um país em que se presume que os rendimentos da pessoa não serão tributados. A lista de paraísos fiscais e regimes fiscais privilegiados foi prevista pela RFB na Instrução Normativa RFB no. 1.037/2010. Para quem não deseja se mudar para um dos países ou dependências da lista, não é necessário comprovar a aquisição de residência no exterior.
O Brasil firmou acordos internacionais com outros Estados com o objetivo de evitar a dupla tributação, cuja lista está disponível no site da RFB. Esses acordos estabelecem regras que permitem que uma pessoa seja considerada residente fiscal de apenas um dos dois Estados do acordo (as “regras de desempate”), mas sua aplicação depende de análise detalhada do caso concreto e não é reconhecida automaticamente pela RFB, pois depende de prova.
Portanto, mudar-se para o exterior e tornar-se residente fiscal de outro país não dispensa o contribuinte dos procedimentos para formalizar a saída fiscal do Brasil.
A legislação tributária prevê duas obrigações a cumprir perante a RFB para formalizar a saída fiscal: (i). aComunicação de Saída Definitiva (CSD) e (ii). a Declaração de Saída Definitiva do País (DSDP). Além disso, o contribuinte deve informar às fontes pagadoras de rendimentos no Brasil a perda da condição de residente fiscal.
A CSD é um formulário eletrônico em que se informa à RFB (i). a data da perda da condição de residente fiscal no Brasil, (ii). se houver, o nome e CPF dos dependentes que devem acompanhar o contribuinte (por exemplo, esposa e filhos menores) e (iii). se for o caso, o nome, CPF e endereço completo do procurador nomeado pelo contribuinte para realizar quaisquer procedimentos perante a RFB.
Note-se que, para a hipótese de saída definitiva, a data a ser informada na CSD é aquela em que o contribuinte efetivamente deixou o País. Para a saída temporária, a data a ser informada é aquela em que o contribuinte completou 12 meses consecutivos de ausência após ter deixado o País. A mesma data será aplicada aos dependentes do contribuinte informados na CSD.
O formulário da CSD permite também identificar o CPF ou CNPJ das fontes pagadoras para que cartas de comunicação sejam preparadas automaticamente, para informá-las da nova situação do contribuinte. Isso é importante porque as fontes pagadoras têm a obrigação de informar à RFB o imposto de renda retido na fonte (IRRF) no pagamento de rendimentos. Os códigos de recolhimento e alíquotas do IRRF podem ser diferentes para residentes e não residentes fiscais (mais detalhes nas seções “Tratamento tributário do não residente”, abaixo). Dessa forma, caso a fonte pagadora não seja informada, o contribuinte poderá ser tratado pela RFB como residente fiscal. O comprovante de entrega da informação à fonte pagadora é instrumento de prova para evitar essa consequência, ainda que a fonte pagadora continue a recolher o IRRF incorretamente.
A nomeação de um procurador na CSD é facultativa, e não supre a necessidade de outorgar uma procuração. A legislação tributária prevê, em algumas situações, que o procurador da pessoa física seja responsável perante o Fisco pelo recolhimento de tributos, em geral quando não retidos pela fonte pagadora (por exemplo, porque a fonte pagadora não foi informada de que o contribuinte não era residente fiscal no Brasil).
A CSD deve ser apresentada até o último dia útil do mês de fevereiro do ano subsequente ao ano da saída. Isso significa que, para aqueles que deixarem o Brasil em 2018, a CSD deverá ser entregue até 28.02.2019.
Não é possível entregar uma CSD com atraso, pois a RFB somente disponibiliza o formulário eletrônico durante o prazo de entrega. Dessa forma, quem deixou o Brasil em 2018 e não transmitiu a CSD até 28.02.2019, não conseguirá mais fazê-lo. A consequência da falta de entrega da CSD dentro do prazo é que o contribuinte será considerado residente fiscal no Brasil durante os 12 meses seguintes de ausência, exatamente como na hipótese de saída temporária.
A legislação distingue a hipótese de saída temporária da hipótese de saída definitiva com perda de prazo. Dessa forma, não encontramos previsão expressa estabelecendo que quem perder o prazo de entrega está obrigado a apresentar a CSD no ano seguinte, informando a data em que completou 12 meses de ausência. De todo modo, recomenda-se entregar a CSD, principalmente como meio de comprovar às fontes pagadoras a perda da condição de residente fiscal no Brasil enquanto não a DSDP não puder ser entregue.
A DSDP é um tipo especial de declaração de imposto de renda. Abrange o período entre o dia 1º de janeiro e a data da perda da condição de residente fiscal no Brasil, informada na CSD e na própria DSDP. Por isso, nela se informam os rendimentos auferidos pelo contribuinte que deixou de ser residente fiscal no Brasil durante o final do seu período de residência fiscal no Brasil (isto é, no período entre 1º de janeiro e a data de sua saída). Os rendimentos posteriores, auferidos já na condição de não residente, não devem ser informados.
Durante o período de 1º de janeiro até a data de perda da condição de residente fiscal no Brasil, o contribuinte se sujeita ao mesmo regime tributário dos demais residentes, tendo direito às mesmas deduções e benefícios fiscais.
Para quem decidiu deixar o Brasil em 2018, essa declaração deverá ser entregue em março e abril de 2019, no mesmo prazo de entrega das demais declarações de imposto de renda.
Ao contrário da CSD, a DSDP pode ser entregue após a perda do prazo. Nesse caso, além de pagar eventual imposto e acréscimos legais pelo atraso, o contribuinte está sujeito à multa de (i). R$ 165,74; ou, se for maior, (ii). de 1% do valor do imposto devido por mês de atraso, até o limite de 20%. O valor do imposto devido é aquele informado na declaração entregue com atraso. A DSDP poderá ser transmitida em até 5 anos após o prazo normal de entrega.
Vale mencionar que a multa descrita só se aplica se não houver entrega de nenhuma declaração dentro do prazo legal. Se foi entregue uma declaração dentro do prazo, mas se precisou retificá-la, não há aplicação da multa. Isso vale inclusive se a declaração original era uma DIRPF normal e a retificadora era uma DSDP.
Como mencionado no tópico referente ao preenchimento da CSD, o contribuinte tem a obrigação de informar as fontes pagadoras de rendimentos no Brasil de que perdeu a condição de residente fiscal no País. Caso isso não ocorra, as fontes pagadoras continuarão a reportar à RFB a retenção de rendimentos na condição de residente. Isso pode causar inconsistências cadastrais e o risco de que a RFB considere que o contribuinte voltou a ser residente fiscal no Brasil.
Pela nossa experiência prática, a RFB tem exigido comprovação de que cada fonte pagadora foi informada da saída fiscal como condição para permitir a baixa de pendências fiscais indevidas em nome do contribuinte. Isso ocorre mesmo em casos em que há provas abundantes de que o contribuinte deixou de residir no Brasil há mais de cinco anos.
A pessoa física que era residente fiscal no Brasil e efetuou sua saída fiscal não deixa de ter CPF ativo. Com a formalização da saída fiscal, o que ocorre é que o cadastro do contribuinte no CPF é atualizado com o status de não residente. Nas situações em que a saída não é formalizada adequadamente, e as fontes pagadoras continuam a informar a RFB o pagamento de rendimentos com o código de residente fiscal no Brasil, o CPF pode tornar-se:
Vale mencionar que mesmo as pessoas físicas que jamais foram residentes fiscais no Brasil também estão obrigadas a ter CPF se (i). praticarem operações imobiliárias no Brasil; (ii). possuírem contas bancárias, de poupança ou de investimentos; (iii). operarem no mercado financeiro ou de capitais no Brasil; ou (iv). possuírem bens e direitos sujeitos a registro público ou cadastro específico, tais como imóveis, veículos, embarcações etc. Por isso, manter um CPF regular e ser considerado não residente são fatos independentes.
A legislação cambial estabelece várias restrições para que não residentes adquiram ativos financeiros no Brasil. Por esse motivo, a saída fiscal tem por consequência que, a par das obrigações tributárias, também do ponto de vista cambial, bancário e financeiro a mudança para a condição de não residente tem consequências relevantes.
A primeira delas é com relação à manutenção de contas bancárias. Para manter recursos financeiros aplicados no Brasil em moeda nacional, o não residente está obrigado a manter conta de não residente em instituição financeira no Brasil. Isso significa que a pessoa que efetuar saída fiscal será obrigada a encerrar sua conta bancária e abrir nova conta bancária de não residente. A nova conta pode ser aberta perante o mesmo banco ou em qualquer outra instituição financeira autorizada a operar no mercado de câmbio pelo Banco Central.
Por nossa análise da legislação e também por nossa experiência prática, o Banco Central impõe custos regulatórios muito mais altos para as contas de não residente, de forma que os bancos costumam ter pouco interesse em abrir as novas contas, mesmo para clientes com bom relacionamento. Dessa forma, a abertura da conta de não residente é um dos itens de estudo em um planejamento de saída fiscal do Brasil.
As contas bancárias de não residente admitem investimentos financeiros em poupança e CDB sem custos regulatórios adicionais. Para aplicação de recursos em outros ativos financeiros no mercado financeiro e de capitais, tais como ações, cotas de fundos de investimento e títulos de renda fixa ou variável, a legislação exige cadastro do investidor não residente perante o Banco Central e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Essa situação especial é conhecida como “Investidor 4373”, em razão de as regras do regime estarem atualmente previstas pelo Banco Central na Resolução no. 4.373/2014.
Para o Investidor 4373, é obrigatório nomear uma instituição financeira autorizada pelo Banco Central como procuradora em relação aos investimentos financeiros no mercado financeiro e de capitais. Note-se que o procurador informado na CSD é uma pessoa física, e não se confunde com o procurador do Investidor 4373.
O registro como Investidor 4373 implica custos regulatórios adicionais, mas um tratamento tributário mais favorável (vide “Situação especial para o não residente – mercado financeiro e de capitais”, abaixo). Dessa forma, os custos e benefícios da manutenção de recursos financeiros no Brasil após a saída fiscal precisa ser analisada com cuidado.
O não residente deve submeter à tributação brasileira somente os rendimentos ou ganhos de capital auferidos de fonte brasileira. Nada do que receber de fonte no exterior poderá ser tributado pelo Brasil. Em geral, o imposto deverá ser retido e recolhido ao Fisco pela fonte pagadora (IRRF), mas há algumas hipóteses em que poderá ser recolhido pelo próprio contribuinte ou por seu procurador. Nos dois casos, cada rendimento ou ganho de capital é tributado isoladamente, não havendo obrigação de apresentar declaração de imposto de renda após o fato nem fazer ajustes em razão de outros rendimentos auferidos no mesmo período.
As mudanças de tributação mais relevantes para quem deixa a condição de residente fiscal no Brasil e torna-se não residente são as seguintes:
Para os não residentes que mantêm residência em um dos países ou dependências de tributação favorecida (paraíso fiscal), o IRRF será de 25% nas hipóteses acima, exceto para os dividendos. A alíquota de 25% é aplicável como regra geral também às demais hipóteses previstas pela legislação tributária, com poucas exceções.
Outra mudança importante é a data de recolhimento do imposto. Para o residente fiscal no Brasil, o valor do imposto retido pela fonte ou pago pelo contribuinte deve ser recolhido ao Fisco até o final do mês subsequente ao recebimento do rendimento. Para o não residente, o IRRF deve ser recolhido na mesma data do fato gerador, sob pena de já incorrerem multas e juros de mora a partir do dia seguinte.
Podemos afirmar que a situação do investidor não residente no mercado financeiro e de capitais é a de maior descompasso entre a regulamentação do Banco Central e da Receita Federal. Pela legislação tributária, as aplicações financeiras do não residente podem estar sujeitas ao “regime geral” ou ao “regime especial”. Em termos bastante genéricos, pode-se afirmar que (i). o regime geral é de equiparação ao residente fiscal no Brasil, e (ii). o regime especial é um tratamento tributário favorecido que corresponde ao do Investidor 4373, já mencionado.
No regime geral, os não residentes sujeitam-se às mesmas normas de tributação pelo imposto de renda previstas para os residentes fiscais no Brasil, em relação a:
O regime geral também estende às pessoas físicas não residentes as mesmas isenções das pessoas físicas residentes fiscais no Brasil (dividendos, rendimentos de letras de crédito imobiliárias ou do agronegócio etc.). Também é obrigatória a nomeação de procurador para o contribuinte não residente que investir nos mercados financeiros e de capitais, designado entre as instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central a prestar tal serviço.
Sujeitam-se obrigatoriamente ao regime geral as pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas em países e dependências com tributação favorecida, conforme lista da Instrução Normativa RFB no. 1.037/2010, já mencionada.
Na prática, o regime geral é a exceção, não a regra. A Resolução no. 4.373/2014 só prevê a possibilidade de investimento no mercado financeiro e de capitais brasileiro por meio do tratamento do Investidor 4373, que corresponde ao regime especial. Até onde pudemos verificar, a legislação estabelecida pelo Banco Central foi omissa quanto à possibilidade de manutenção dos investimentos financeiros dos não residentes sem cumprimento das demais formalidades do Investidor 4373. Por esse motivo, somente os Investidores 4373 residentes ou domiciliados em países e dependências com tributação favorecida (exceto fundos soberanos) submetem-se ao regime geral.
Pelo regime especial, aplicável ao Investidor 4373 que não seja residente ou domiciliado em paraíso fiscal, a tributação é a seguinte:
Item de renda | Alíquota do Regime Especial | Alíquota do residente fiscal no Brasil (se aplicável) |
Rendimentos de títulos públicos adquiridos a partir de 16.02.2006, bem como de cotas de fundos de investimento exclusivos para não residentes que possuam no mínimo 98% da carteira em títulos públicos | 0% | 22,5%-15%, em função do período de investimento |
Rendimentos de títulos ou valores mobiliários adquiridos a partir de 01.01.2011, objeto de distribuição pública, de emissão por (i). pessoas jurídicas de direito privado não classificadas como instituições financeiras e (ii). de FIDCs constituídos sob a forma de condomínio fechado, cujo originador da carteira não seja instituição financeira, que atendam a requisitos legais específicos | 0% | 22,5%-15%, em função do período de investimento |
Ganhos nas operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, inclusive quando se tratar de cotas de fundos de índice | Isento | 15% ou 20% (day-trade) ou25%-15% (fundos de índice de renda fixa) |
Ganhos nas operações com ouro, ativo financeiro, fora de bolsa | Isento | 15% ou 20% (day-trade) |
Rendimentos e ganhos produzidos pela letra imobiliária garantida (LIG) | Isento | Isento |
Rendimentos e ganhos produzidos por fundos de investimentos cujos cotistas sejam exclusivamente investidores estrangeiros | Isento | Não aplicável |
Rendimentos auferidos nas aplicações em FIP, FICFIP e FIEE (cumpridos requisitos específicos) | 0% | 15% |
Rendimentos auferidos nas aplicações em FIP-IE e FIP-PD&I (cumpridos requisitos específicos) | 0% | 15% ou 0% |
Rendimentos auferidos nas aplicações em fundos de investimento e fundos em cotas de fundos de investimento com carteira em debêntures | 0% | 0% (pessoa física) |
Rendimentos e ganhos produzidos por cotas de Fundo de Índice de Renda Fixa cujo regulamento determine que sua carteira de ativos financeiros apresente prazo de repactuação superior a 720 dias | Isento | 15% |
Rendimentos de aplicações em fundos de investimento em ações (FIA) | 10% | 15% |
Rendimentos de operações de swap, registradas ou não em bolsa | 10% | 22,5%-15%, em função do período de investimento |
Rendimentos de operações realizadas em mercados de liquidação futura, fora de bolsa | 10% | 15% ou 20% (day-trade) |
Rendimentos produzidos por aplicação financeira de renda fixa | 15% | 22,5%-15%, em função do período de investimento |
Ganhos nas operações conjugadas que permitam a obtenção de rendimentos predeterminados, realizadas nas bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, bem como no mercado de balcão | 15% | 22,5%-15%, em função do período de investimento |
Demais rendimentos realizados no mercado de balcão organizado ou em bolsa, e em Certificados de Operações Estruturadas (COE) | 15% | 22,5%-15%, em função do período de investimento |
Pela experiência, o regime especial é vantajoso para investidores não residentes com um investimento considerável no mercado financeiro e de capitais, tendo em vista o custo cobrado pelas instituições financeiras pela manutenção do cadastro de Investidor 4373. O custo se justifica pela complexidade do cumprimento das obrigações impostas pelas autoridades competentes (o Banco Central, a CVM e a RFB) e a responsabilidade assumida pela instituição como procuradora do contribuinte perante cada autoridade. Para pequenos investidores, dificilmente o tratamento de Investidor 4373 será factível.
O residente fiscal no Brasil tem sua renda tributada em bases universais, enquanto, para o não residente, somente a renda provinda de fonte localizada no território brasileiro sofrerá tributação. Para quem deixou o Brasil sem formalizar sua saída fiscal, o fato implica a obrigação de informar na DIRPF anualmente seus rendimentos no exterior, bem como os bens que lá houver adquirido em nome próprio ou em conjunto com cônjuge ou companheiro (a depender do regime de bens), mesmo que este não seja residente fiscal no Brasil.
Isso não quer dizer, necessariamente, que o mesmo imposto deva ser pago duas vezes, uma em cada país. O imposto de renda devido no exterior pode ser compensado com o imposto devido no Brasil em algumas circunstâncias, até o limite do valor do imposto brasileiro. Isso dependerá da existência de acordo entre as duas jurisdições ou de reconhecimento da reciprocidade de tratamento (isto é, que mesmo sem acordo, um país permitiria a compensação do imposto pago no outro país). Por exemplo, o imposto pago no exterior sobre o ganho capital apurado na venda de uma casa poderá ser creditado contra o imposto devido no Brasil por referida venda dentro do mesmo ano-calendário.
Para o fim de exigência do imposto e acréscimos legais, vale destacar que o prazo de decadência do IRPF é de 5 anos, de forma que a RFB não autoriza a retificação de declarações de imposto de renda pessoa física transmitidas anteriormente ao referido prazo. Dessa forma, as declarações passíveis de retificação são as referentes aos 5 exercícios mais recentes, ou seja, durante o ano de 2018, das declarações dos anos-calendários de 2013 a 2017. O período anterior não pode mais ser retificado.
Caso as autoridades fiscais identifiquem a omissão de bens e rendimentos, o valor do imposto devido poderá ser exigido com multa de ofício, no valor de 75% do imposto devido. Referida multa pode ser agravada para 150%, a depender da constatação de dolo, fraude ou simulação, e também pode ser aumentada caso o contribuinte deixe de prestar informações à fiscalização.
No limite, caso se comprove que a falta de apresentação de informar na DIRPF os rendimentos e bens no exterior não decorreu de erro ou culpa, mas do dolo de eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo, a omissão de bens e rendimentos na declaração de imposto de renda pessoa física pode estar sujeita à previsão do art. 2º, inciso I, da Lei no. 8.137/1990, punida com detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa. O prazo de prescrição de referida conduta penal é de 4 anos, e sua punibilidade é extinta pelo pagamento integral dos débitos (Decreto-lei no. 2.848/1940, art. 109, inc. V; Lei no. 10.684/2003, art. 9º, §2º).
A DCBE é uma declaração administrada pelo Banco Central para fins estatísticos, sem ligação com as obrigações fiscais administradas pela RFB. Nela são informados dados sobre os ativos mantidos no exterior na posição do dia 31 de dezembro de cada ano, no caso da declaração anual.
Estão obrigadas à entrega da DCBE as pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País que possuam, na data-base de 31 de dezembro de cada ano, bens ou direitos de qualquer natureza detidos no exterior que totalizarem quantia igual ou superior a US$100.000,00 (cem mil dólares dos Estados Unidos), ou seu equivalente em outras moedas. O critério de residência coincide com a residência fiscal, de forma que todo residente fiscal no Brasil que atender ao requisito mencionado estará obrigado à entrega da DCBE. Daí a importância de formalizar a saída fiscal.
Note-se que, para fins de apuração de referido limite, não é levado em conta o valor dos ativos individualmente, mas sua totalidade. Caso a soma dos ativos individuais seja superior a referido limite, todos eles devem ser declarados. Para os bens e valores mantidos em conta conjunta de depósitos ou que de outra forma pertençam em condomínio a duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, referido limite deve ser apurado em vista do valor integral dos ativos detidos nessas situações, independentemente da quantidade de titulares da conta ou de condôminos, sendo que cada um deles, se residente fiscal no Brasil, deverá informar sua participação no bem ou valor (é dizer: informa-se o valor integral do saldo em conta de depósito ou outro ativo, utilizado na apuração do limite de obrigatoriedade, e a participação de 50% do titular em referida conta).
As penalidades administrativas referentes à DCBE são as seguintes:
Vale mencionar que é possível transmitir com atraso ou retificar as DCBEs referentes ao ano-calendário 2007 e seguintes.
Além das penalidades administrativas acima referidas, importa mencionar a possibilidade de imputação do crime de evasão de divisas, atribuído a “quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente”. Referida conduta penal é sujeita à pena de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa, e o prazo de prescrição de referida conduta é de 12 anos (Lei no. 7.492/1986, art. 22, parágrafo único; Decreto-lei no. 2.848/1940, art. 109, inc. III).
Para fins meramente informativos, também são puníveis as condutas penais de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal” (crime de “lavagem de capitais”), caso referidas condutas sigam-se às condutas de omissão de rendas ou bens ou de evasão de divisas, mencionadas anteriormente. Referido tipo penal, tratado de forma autônoma das demais, prevê a pena de reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa, e seu prazo de prescrição é de 16 anos (Lei no. 9.613/1998, art. 1º; Decreto-lei no. 2.848/1940, art. 109, inc. II).
Importa salientar que o Brasil e os Estados Unidos celebraram dois acordos internacionais visando à troca de informações tributárias: (i). o Acordo para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, ratificado pelo Brasil em 2013; e (ii). o Acordo para Melhoria da Observância Tributária Internacional e Implementação do FATCA, de 2015. Naquilo que nos interessa, o segundo desses acordos permitiu a troca automática de informações entre o Internal Revenue Service e a Receita Federal do Brasil, fornecidas a esses órgãos por Instituições Financeiras.
Os Estados Unidos se comprometeram a fornecer ao Brasil as informações de residentes fiscais no Brasil com contas nos Estados Unidos desde o ano-calendário de 2014. As informações a serem repassadas à Receita Federal são as seguintes: (i). identificação do Titular de Conta (tanto pessoa física, quanto pessoa jurídica) e da Instituição Financeira Informante dos Estados Unidos; (ii). o número da conta relevante; (iii). o montante bruto total de juros pagos ao Titular de uma Conta de Depósito e o montante bruto total de dividendos de fonte americana pagos ou creditados à conta relevante; e (iv). o montante bruto total de outros rendimentos de fonte americana pagos ou creditados à conta relevante, desde que as informações a serem prestadas estejam previstas como reportáveis pela legislação doméstica dos Estados Unidos.
O Brasil também firmou acordos com outros países no âmbito do Common Reporting Standard (CRS), iniciativa do G-20 organizada pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) muito semelhante ao FATCA. Como cada país envolvido no CRS assumiu responsabilidades diferentes, os prazos de trocas de informações precisam ser analisados país a país. De forma geral, o Brasil comprometeu-se a trocar informações com outros países a partir de 2018.
Tendo em vista que a implantação efetiva desses mecanismos é recente e depende de iniciativa por parte do Brasil, não temos como avaliar o nível de preparo das autoridades fiscais brasileiras para utilização de dados recebidos automaticamente no cruzamento de informações da DIRPF (malha fina). É recomendável, porém, que a regularização de ativos e rendimentos mantidos no exterior para quem não os informou adequadamente.
Recomendo também a leitura do texto com orientações sobre o tema “declaração de capitais brasileiros no exterior”, conteúdo atualizado e que ajudará a mantê-lo em dia com o fisco.
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