Conta corrente para não residente: por que é tão difícil abrir uma?

janeiro 11, 2019

Em “Declaração de Saída Definitiva do País em 2018: o que se deve saber”, tratamos brevemente sobre a abertura de contas correntes de não residente, e por que esse se torna um item de estudo no planejamento de saída fiscal do Brasil.

Tivemos uma experiência recente a esse respeito que convenceu da importância de expor as dificuldades desse procedimento não só para nossos clientes, mas também a todos com a intenção de sair do País para morar no exterior ou de regularizar sua situação fiscal vivendo fora.

Mostraremos as dificuldades que o brasileiro não residente tem para continuar mantendo seus recursos financeiros no Brasil e realizar as tarefas triviais de pagar contas e receber rendimentos, e também mostrar os motivos que levaram a isso. Vamos também divulgar nossa experiência prática com várias instituições financeiras para abertura de contas de não residente.

Conta corrente de não residente: o que é?

A conta corrente de não residente é uma conta especial para depósitos à vista, para que não residentes possam manter recursos, em reais, em uma instituição financeira no Brasil. Esse é um requisito da legislação cambial (Banco Central), e não da legislação tributária (Receita Federal).

Diferente de uma conta bancária comum, o Banco Central exige que os bancos brasileiros obedeçam a uma série de requisitos para abrir e manter uma conta de não residente (Circular no. 3.691/2013, arts. 168-186), os quais serão resumidos nos tópicos a seguir.

Requisitos e documentos para abertura da conta de não residente

Pode-se afirmar que as contas correntes de não residente:

  • – só podem ser abertas em instituições financeiras no Brasil autorizadas a operar no mercado de câmbio, e em agências bancárias também autorizadas a tanto;
  • – devem ser identificadas de forma a serem facilmente diferenciadas das demais contas de depósito;
  • – devem ser cadastradas pelo banco depositário junto ao Sisbacen (sistema do Banco Central) no momento da abertura da conta.

Em termos de documentação para abertura da conta, pela experiência prática que temos com nossos clientes podemos citar os seguintes documentos:

  • – documento de identidade brasileiro oficial (RG, por exemplo);
  • – CPF;
  • – Certidão de Regularidade Fiscal, para comprovar que não há pendências fiscais com a Receita Federal (RFB) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN);
  • – visto permanente no exterior, ou documento equivalente;
  • – comprovante de residência no exterior; e
  • – cópia da declaração de saída definitiva (DSD), já mencionada em “Declaração de Saída Definitiva do País em 2018: o que se deve saber
    • – Entendemos que a Comunicação de Saída Definitiva (CSD) deve ser suficiente para abertura da conta no período entre a data da saída fiscal e a data de entrega da DSD. Esse período pode durar vários meses. De qualquer forma, as instituições financeiras não parecem bem informadas sobre esse fato.

Em nossa experiência prática, a DSD é exigida para abertura da conta de não residente mesmo quando é desnecessária. Em nosso caso mais recente, nosso cliente deixou o Brasil há mais de dez anos, e não estava obrigado a apresentar DSD, pois à época não tinha rendimentos próprios que o obrigassem à entrega de declaração de imposto de renda.

O banco não aceitou abrir a conta sem que fosse apresentada uma DSD, apesar do fato de que a RFB regularizou o cadastro desse cliente no CPF como brasileiro não residente. A justificativa do banco foi de que “só a DSD comprova que o cliente não está mais obrigado a entregar declaração de imposto de renda”, o que não é verdadeiro.

Com que bancos posso abrir minha conta de não residente?

A informação sobre quais bancos aceitam abrir conta de não residente não é normativa, não está facilmente disponível e é passível de negociação com o próprio banco. A abertura de uma conta é um contrato bilateral, por isso o banco pode aceitar abri-la ou não.

Além disso, os bancos podem manter políticas próprias a respeito da abertura dessas contas, que podem mudar a qualquer momento. Por esse motivo, fazemos uma lista abaixo com base em nossa experiência recente, que certamente ficará desatualizada rapidamente:

  • Bradesco: o único banco encontrado que aceita abrir uma conta de não residente a um custo semelhante ao de uma conta bancária típica. Em contrapartida, o banco se recusa a abri-la se a conta for utilizada para outro fim senão o de mera aplicação dos recursos e pequenos pagamentos. Por exemplo, tivemos casos em que o banco não aceitou abrir a conta para que o cliente pudesse receber benefícios do INSS e pensão militar;
  • Itaú: o banco atende somente no segmento Personalité, e divulga um custo de manutenção de R$ 1.000,00 (um mil reais) por mês, além de outras tarifas;
  • Santander: a abertura de conta depende do envio de e-mail para a Diretoria do banco, explicando o motivo da abertura, quanto dinheiro deverá ser depositado, em que será aplicado etc. Diz levar 15 dias em média para responder. Cobra taxa de abertura da conta de R$ 1.000,00 (um mil reais), tem taxa de movimentação para valores acima de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e de R$ 800,00 para demais movimentações;
  • Banco do Brasil: diz não abrir a conta;
  • Caixa Econômica Federal: diz não abrir a conta;
  • BTG Pactual: diz que cobra R$ 1.000,00 (um mil reais) de taxa de manutenção mensal, e exige aplicação de pelo menos R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em investimentos financeiros;
  • Banco Safra: abria contas de não residente até a metade de 2017, aproximadamente. Hoje não aceita mais abrir esse tipo de conta;
  • Banco Modal: taxa de manutenção mensal de R$ 1.000,00 a R$ 1.500,00 (um mil a um mil e quinhentos reais), com investimento mínimo de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais);
  • Banco Bonsucesso: dizem não cobrar taxa de manutenção, mas exigem investimento mínimo de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais);
  • Banco Paulista: abrem somente para investidores no mercado financeiro e de capitais (conta de investidor 4373), de quem cobram taxa de representação e custódia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por mês.

É importante enfatizar que o quadro acima não foi fácil de compor. Todas as instituições contatadas foram bastante reticentes a respeito da abertura de contas de não residente, e nem todas as pessoas com quem conversamos sabiam de que se tratava.

Tanto para nós como para os clientes, domina a falta de clareza e informações conflitantes dentro da mesma instituição. Os gerentes de agência e demais atendentes dos bancos não estão habituados com o procedimento, e encontram dificuldades mesmo quando desejam atender bem.

Os bancos, de forma geral, só têm aceitado abrir contas de não residente para clientes com quem tenham especial relacionamento ou que mantenham depositados no Brasil um volume de investimentos significativo.

Por que tanta dificuldade para abrir uma conta?

O motivo para o comportamento reticente dos bancos está no nível de rigor da regulamentação do Banco Central. Essa regulamentação impõe um custo desproporcional para os bancos, de forma que estes preferem não abrir contas de não residente ou repassar os custos de conformidade para os clientes.

A conta de não residente exerce função muito semelhante a uma conta de depósito normal. Apesar disso, as instituições financeiras estão obrigadas a um controle rigoroso e desproporcional. Por exemplo, todas as movimentações bancárias de valor igual ou superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) precisam ser documentadas.

A documentação exige que o cliente comprove: (i). proveniência e destinação dos recursos; (ii). natureza dos pagamentos; (iii). identidade dos depositantes de valores na conta, se for um crédito; e (iv). identidade dos beneficiários das transferências efetuadas, se for um débito. Mesmo pagamentos em cheque precisam identificar no verso a destinação dos recursos e a natureza da transferência.

De uma maneira geral, pode-se dizer que o rigor documental da conta de não residente se aproxima em complexidade ao da realização de operações de câmbio, mesmo em reais, e não da complexidade de uma conta bancária típica.

Restrições para movimentação de recursos na conta de não residente

De fato, a regulamentação do Banco Central trata todos os débitos de contas de não residente para contas bancárias típicas como ingressos de recursos no País, e todos os créditos em contas de não residente a partir de uma conta bancária típica como saídas de recursos do País.

Por esse motivo, a regulamentação traz ainda restrições sobre como os recursos podem ser movimentados pela conta de não residente. Poucas pessoas estão acostumadas a identificar a cada transação que fazem o motivo por que estão fazendo a transferência (por exemplo, “pagar conta de luz”, “receber aluguel de imóvel” etc.).

Além disso, pelo exame que fizemos, de fato o crédito de benefícios do INSS ou de outros órgãos públicos não são hipóteses previstas pela regulamentação (mesmo quando o pagador é o próprio Governo!). Dessa forma, faz sentido a instituição financeira não querer arriscar abrir conta de não residente para receber esse tipo de rendimento.

Exigir que o banco fiscalize a causa de toda a qualquer transferência bancária realmente está além do razoável para movimentações cotidianas.

Qual a causa de tamanho rigor do Banco Central?

A legislação cambial brasileira tem uma tradição de controles cambiais. Apesar de menos pronunciados hoje, ainda há importantes vedações a operações realizadas sem a intermediação de instituições autorizadas pelo Banco Central a operar no mercado de câmbio. As restrições à abertura de conta bancária de não residente são exemplo disso.

Nesse ponto, nossa legislação já foi mais livre que hoje. A conta bancária de não residente tem sua origem na antiga Carta Circular no. 05/1969, de onde vem a famosa expressão “conta CC5”.

A função da conta CC5 era permitir que pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior mantivessem seus recursos em moeda nacional depositados junto a instituições financeiras brasileiras autorizadas a operar no mercado de câmbio. Os valores depositados nessas contas podiam ser utilizados para livre movimentação no País ou para retornarem ao exterior, caso em que eram convertidos em moeda estrangeira.

A fragilidade da conta CC5 estava na facilidade de permitir a conversão de valores de moeda nacional para moeda estrangeira, e vice-versa. Nesse sentido, a legislação da época já vedava o uso da conta CC5 para realizar pagamentos por conta de terceiros sem autorização expressa do Banco Central, e também outras atividades vedadas pela legislação cambial (compensações privadas de crédito, por exemplo).

Apesar das restrições, houve abuso das contas CC5 para a prática de evasão de divisas e de lavagem de dinheiro, expostas no escândalo do Banestado, que levou à implantação de uma CPI, encerrada em 2004 sem votação relatório final. A regulamentação atual reflete o esforço de evitar que práticas semelhantes continuem a ser realizadas.

Conclusão

É respeitável o esforço do Banco Central em coibir a prática de operações ilícitas envolvendo o uso de contas bancárias de não residente. Há que se observar, porém, que a regulamentação não pode ter o efeito adverso de inibir a realização das demais operações lícitas.

Decorridos mais de 20 anos desde os fatos analisados pela CPI do Banestado, estamos num contexto regulatório bastante diferente, de maior troca de informações entre autoridades fiscais de países diferentes e entre autoridades governamentais para a apuração de ilícitos (Receita Federal, Ministério Público e demais entidades). É momento de rever se a efetividade da regulamentação do Banco Central surtiu efeitos e que medidas poderiam ser realizadas para facilitar o uso positivo das contas de não residente.

Pela nossa experiência, a regulamentação da conta de não residente dificulta que brasileiros vivendo no exterior mantenham-se regulares do ponto de vista cambial e tributário, o que é um contrassenso. Certamente há espaço para se fazer melhor.

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